15.7.15

Dissociativo

Vieram todos, juntos, de surpresa. Confesso que, a princípio, fiquei extremamente ansioso, pois não estou acostumado a receber visita por estas bandas. Pedi, como se adiantasse, para que não reparassem na bagunça.
A mulher sem rosto, que normalmente me encontra em quartos escuros, está fumando na sacada, com seu costumeiro silêncio de agonia. Quando tento cumprimentá-la, dou sempre de cara com as costas, a nuca, cabelos esvoaçantes ou nuvens de fumaça. Como sempre, desisto.
Mais relaxado, observo meus antigos amores, que se reúnem na sala, revirando as gavetas mais profundas e expondo aos convidados, conhecidos ou desconhecidos (penetras? talvez figurantes) relíquias de momentos embaraçosos da minha história. Sorrio, ainda que constrangido.
No quarto, detenho-me por algum tempo em deleites e prazeres, quase esqueço-me de todo o resto.
Na biblioteca deparo-me com ilustríssimas estátuas, com as quais dialogo sem que possam responder-me, ou ao menos acenar quando os interpreto corretamente, franzir o cenho quando me equivoco. Ali, dividem espaço com os livros, filmes e com um definhante jardim de inverno, que cultivo com muito esmero, sempre que convém.
Sigo para o escritório. Ao acender a luz, meu olhos demoram um pouco para identificá-la: mas ali está  a paranoia, insone, olhos vermelhos, mãos trêmulas; Ela me olha de volta, e logo sou eu que tremo. Na tela do computador, uma cena da qual não consigo desviar o olhar: um leito de hospital, repleto de aparelhos, luzes de LED, tubos, respiradores, bipes, alimentadores. Confuso, quero esfregar os olhos, mas não consigo; Minhas mãos inertes, ao meu lado na cama, nem sequer tremem. Medo é o que não falta.

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