4.10.10

Apesar

Naquela época, mamãe não tinha rotina, saia de casa e fazia novas amigas todos os dias. Além disso, eu e ela éramos muito mais unidas, íamos juntas ao shopping e, na volta, ela me contava todas as histórias, falava das novas amizades e de mais um monte de coisas - eu não tinha como prestar muita atenção porque estava dirigindo.

Quando ela ficava em casa, ficava quietinha, no quartinho dela, lá no fundo do corredor, acho que assistia televisão - eu sei que ela deixava ligada, mas, talvez, fosse só para fazer companhia. Eu sempre tinha minhas coisas para resolver, sabe como é, a correria, e ela ficava triste, deprimida, dava até uma agonia.

Pelo menos, naqueles tempos, saíamos quase todo dia e quando eu não podia ir, dava um jeito de deixá-la na porta para depois buscá-la. Era ótimo. E sempre que eu chegava, ela surpreendia-se: primeiro reclamava que eu havia chegado muito cedo e depois assustava-se com a hora: "já?". Às vezes ela até insistia para ficar um pouco mais, mas eu não podia abandonar meus compromissos nem podia deixá-la ali.

Para ser bem sincera, um dia, sem querer, eu acabei deixando ela lá, esqueci completamente. Deu uma peninha quando ela chegou em casa, toda vermelha, suada, coitada. Mas nada foi pior do que ver ela depois das notícias do fechamento. Foi horrível. Presa em casa, ela definhou, aos poucos, isolando-se cada vez mais. Nenhum dos médicos soube dizer exatamente o que ela tinha, mas eu tenho uma certeza: a proibição dos bingos - e o fechamento daquele no shopping - é que matou a mamãe.

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