Já passava de quinze horas seguidas na cozinha, sofrendo com o calor e enxugando o suor da testa com as costas das mãos. Vez ou outra, enfrentando o cansaço e as dores nas costas, curvava a coluna e o pescoço, com as mãos apoiadas nos joelhos.
Na pia, além do liquidificador e da batedeira, acumulava-se uma pilha de panelas, espátulas, colheres de pau e outros acessórios, todas engorduradas, encardidas, avisando-a que não bastava terminar todos os pratos, o trabalho ainda duraria até bem tarde.
Para piorar a situação, a cada sobremesa terminada, sofria para encaixá-la no frágil equilíbrio das prateleiras da geladeira. Já havia derrubado mais de um dos potes de conserva ao tentar encaixar as travessas entre os mantimentos, as sobras das receitas e os refrigerantes. Quanto aos pratos que seguiam para a mesa, o problema era ainda maior, pois o espaço era menor e não podia faltar lugar para as pessoas, para os copos, os pratos de cerâmica, ainda novos, e os aperitivos, que já estavam precisando de reposição por conta dos larápios que rodeavam a sala desde o final da tarde.
Quando finalmente terminou tudo, com exceção da louça, que deu-se ao luxo de deixar para depois da refeição, seguiu direto para o chuveiro. Passou um bom tempo debaixo da água quente, tentando relaxar a cabeça e os músculos cansados, apesar de todo o barulho dos convidados que chegavam.
Após embrulhar-se em roupas e sapatos recém-comprados, maquiar-se e ajeitar bem o cabelo, percorreu triunfante, sorridente, o corredor em direção à sala. A alegria, no entanto, durou pouco. Ao adentrar, reparou que todos já estavam servidos e, alguns, até satisfeitos, já assaltavam a geladeira atrás das guloseimas. Nas travessas, restava pouca coisa, quase nada. Por todos os cantos, acumulavam-se os pratos com restos indesejados. E no tecido claro do sofá, destacavam-se as manchas dos que recusaram-se a buscar os guardanapos na despensa.
O sorriso desfez-se em raiva, angústia. Sentiu-se indignada com a falta de respeito que repetia-se, mais uma vez: comeriam e partiriam. Parada no centro da sala, cercada por aqueles que, naquele momento, mal reconhecia, teve, pela primeira vez em toda a vida, um legítimo desejo de fazer o mal a alguém, sem olhar a quem. Foi quando a nora dirigiu-se a ela, na melhor das intenções:
- Anime-se, querida! É Natal...
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