8.9.10

Apreensão

Após o passeio e as compras, um tanto nervosa, por conta de mais um de seus descuidos, dirigiu-se à moça que estava dentro daquele cúbiculo, atrás da divisória de vidro: 
- Moça, olha só, eu estou com um pouco de pressa, mas não estou encontrando o papelzinho. 
- Desculpe-me senhora, mas sem o tíquete eu não posso fazer nada. 
- Mas, não tem como dar um jeito? 
- Não, senhora. O aviso aqui ao lado é bem claro. 
Ao lado da cabine da atendente, destacava-se uma placa branca com letras vermelhas: "Cuide bem do seu tíquete. As devoluções serão feitas somente mediante a apresentação do mesmo". 
- Mas o que eu devo fazer? Ir embora sem ele? 
- Sem o tíquete, ou algum documento para provar que é seu, vai ter que ir sem ele. 
- O documento ficou em casa! 
- E não tem ninguém para quem a senhora possa ligar, para vir aqui trazer? 
- Não! Eu sou solteira, não tem ninguém. E de jeito nenhum que eu vou deixá-lo aqui para ir buscar a papelada e depois voltar! 
- Então não tem jeito. 
- Mas, ele está ali do lado! Eu posso provar que é meu! 
- Eu já disse que não posso fazer nada. E, além disso, a senhora está segurando a fila.
Após olhar para trás e deparar-se com uma senhora consultando a hora em seu celular, voltou-se novamente para a atendente: 
- Segurando a fila... Você é que está segurando a fila porque não consegue resolver um simples problema! 
- Senhora, eu vou chamar a gerente. Você conversa com ela. 
- Exatamente o que eu ia pedir: chame a gerente! Alguém que possa fazer alguma coisa. Muito obrigada!
 Após o olhar sarcástico para cima, combinado com a leve mordida do lábio inferior, a atendente pegou o rádio sobre a mesa, convocou a gerente e começou a atender o próximo da fila. Ela, batendo o pé direito no chão, de braços cruzados, olhos bem abertos e soltando o ar pela boca, aguardou a chegada da gerente, que oficialmente, de acordo com a carteira de trabalho, era uma assistente administrativa. 
A assistente, empossada de ares de gerente, em seu terninho preto, com um rádio pendurado à cintura, as sobrancelhas bem levantadas ao centro e um bico que parecia exigir muito esforço para ser mantido, chegou tentando acalmar a cliente: 
- Desculpe-me pela demora, a senhora aceita um copo de água? Um café? 
- Eu só quero resolver esse problema. 
- Tudo bem. Então vamos direto ao que interessa. Qual é o problema aqui? 
- Eu estou com pressa, mas sem os documentos, e aquela funcionária diz que não pode fazer nada sem o tíquete. 
- Nós vamos resolver esse problema. Mas, a senhora há de convir que os procedimentos adotados são para garantir a sua própria segurança. 
- Sim, você está certa. Mas, o que você pode fazer? Eu preciso de uma solução. 
- Nós podemos conferir pelas câmeras de segurança, para confirmar que a senhora chegou com ele, só que esse processo leva cerca de cinquenta minutos. A outra opção é esperar que o shopping feche e sobre apenas o seu. Nesse caso, o problema é se tiver mais gente sem tíquete. Ou... 
A expressão da gerente ao não completar a frase a fez sentir um arrepio na espinha, ainda assim, perguntou: 
- Ou? 
- Alguém aparecer com o seu tíquete. 
- Deus me livre! Não me fale uma coisa dessas! Já me basta ter que esperar todo esse tempo para poder tê-lo de volta. Se alguém tentasse levá-lo, ia ter que me arrastar junto! 
Após uma breve pausa, esperando uma reação humana e, talvez, solidária, que não veio, continuou: 
- Mas, bom, já que vou ter que esperar de qualquer maneira, é melhor que vejam logo as câmeras. 
- Vou providenciar a conferência das câmeras e, assim que tiver retorno, informarei a senhora. 
- Ah, e vou aceitar aquele café! 
Ao sentar-se ali ao lado, ela escutou ao fundo aquela voz arrastada e manhosa, de quem não vê mais graça nenhuma na piscina de bolinhas ou na moça que fala muito alto, repete bons dias até ele responder e age com demasiada animação: 
- Mãe! 
A voz insistia: 
- Mãe! 
Ela levantou a cabeça, com o ouvido bom virado para a origem daquele som. Demorou um pouco a perceber que era com ela, abriu levemente a boca e cobriu-a com a mão, censurando-se por não ter percebido antes. Após levantar-se, aproximou-se do cercadinho infantil, curvou-se diante do garoto e perguntou: 
- O que foi, meu filho? 
- Eu quero ir embora! 
- Nós já vamos, querido. Por enquanto, por que é que você não brinca mais um pouco com a tia? 
Imediatamente franzindo o cenho e cruzando os braços, ele retrucou: 
- Não quero! 
Corrigindo a postura, para ficar muito acima do garoto, e fechando levemente os olhos, ela proferiu a sentença final: 
- Pois vai ter que brincar sim! A mamãe perdeu o papelzinho para te tirar daí e a moça vai demorar pra resolver.

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