28.9.14

Rascunho

Há sempre espaço

para mais um traço
- de medo

uma sombra
- de dúvida

ou um contorno
- de hesitação


os riscos incertos
de um sujeito rascunho


um homem só fica pronto
- imutável

quando morto

10.9.14

Remanescente

Segui ao lado da maca, incrédulo. Na chegada ao hospital, ao abrir a porta da ambulância, deparei-me com aqueles olhos angustiados, olhos de mãe, e não soube o que dizer.

Quando desci ainda estava desnorteado. Senti enjoo. Ao entrar no banheiro, deparei-me com aqueles olhos distantes, que não pareciam meus, as mãos trêmulas, sob as quais não tinha qualquer controle. Passei a língua pelos dentes trincados, com uma aspereza alheia à boca, tal qual o gosto de sangue, e tentei vomitar. Não consegui, nada havia para sair.

Nos dias que se seguiram, tentei manter o controle, como se normal fosse, superado estivesse. Os sorrisos, no entanto, tornaram-se reflexos mecânicos, autônomos mecanismos de defesa. As falas já não me pertenciam, resumiam-se a grunhidos, respostas vagas ou reles perguntas retóricas.

Apesar de tudo isso, as ausências mais sentidas foram das ilusões, tomadas de minhas mãos, e das ainda incertas, mas já ceifadas, esperanças; Nada como uma tragédia para deixar um sujeito mais amargo.

3.9.14

Passageiro

Em cada estrada
rua ou viela

em cada quarto de hotel
albergue ou pousada

em cada praia
museu ou parque

nas caminhadas
- a cada passo

cada vez que me desvio

encontro-o
fitando-me

o amor derradeiro

2.9.14

Orgânico

Pouco lhe importava o palco, o som, a vibe. Apenas observava os rostos sorridentes a bloquear-lhe o caminho e o riso afoito daqueles que nele esbarravam sem sequer percebê-lo

Pisou na lata com força antes de colocá-la na sacola; Já não sentia raiva, era outra coisa

1.9.14

Casa de repouso

- Já deu dez horas? - Ela perguntou, atravessando-me o olhar

Voltando as atenções ao portão de entrada, completou:
- Minha filha vem me buscar às dez

E aqueles olhos esperançosos, persistentes, devastaram-me