30.4.09

Futebol

Nas arquibancadas, os torcedores se abraçam, comemorando a vitória suada

No camarote, os cartolas evitam o contato físico, mas sorriem, comemorando mais um ano de fartura

29.4.09

Pra burguês ver

O espírito que era livre, para sobreviver da música, precisou submeter-se àquele cenário:

Um banquinho e um violão, uma corrente e um grilhão

28.4.09

Nada a declarar

O mundo anda tão sem ação

Que até a super interessante, que já virou o passado do avesso, ficou sem assunto

27.4.09

Correspondente de guerra II

Era uma madrugada de primavera. Eu não sabia exatamente qual dia porque não saia de casa desde que vim para cá. Ouvi os primeiros tiros. A violência assustou a vizinhança, gritou e acendeu a luz.

Confuso, tive vontade de ir até a janela, para ver se conseguia alguma imagem do combate, mas tive medo de ser alvejado por alguma bala perdida. Ciente dos riscos, engatinhei até a janela e, decepcionado, vi o cenário fantasma de toda madrugada. Também vi as poucas luzes nos prédios em volta apagando-se aos poucos, enquanto acostumavam-se com os tiros, cada vez mais escassos. Percebi que o risco que eu corria era relativamente baixo.

A partir deste instante, meu medo era invisível - o que tornava a convivência com ele muito mais fácil. Aliviado, apaguei a última luz e dormi.


26.4.09

Baile das sombras

A vela acesa no canto do quarto, chama intermitente

Faz as sombras moverem-se delicadamente, nos acompanhando

25.4.09

Corrida

Todo dia, no mesmo horário, é dada a largada. A dispusta é feroz, não há espaço para todos. A maioria espera no ponto, alguns se espremem nos metrôs e outros gritam e esperneiam, de dentro do carro, ansiosos para saber quem chega primeiro até a tv.

24.4.09

Corrosivo

Ao entrar, percebeu de imediato que algo estava errado

Os pensamentos amargavam o silêncio áspero daquela sala

23.4.09

Inveja fosca

Quando ela fica mais lenta, mesmo reduzindo a produção, recebe todos os cuidados do chefe. Eu, se ficar mais lento sou descartado no dia seguinte, me substituem por outro igualzinho, para fazer a mesma função repetitiva e monótona de todo dia, das oito às seis, com as teóricas duas horas de almoço - que resumem-se a 15 minutos engolindo o bandejão, 10 minutos no banheiro e cerca de 35 minutos dedicados ao cigarrinho do dia. E o chefe ainda diz, por causa do bandejão (que nem é muito bom), que a empresa cuida da gente. Aposto que gasta mais com ela em uma semana do que com todos nós no mês todo. Queria eu ter metade da atenção e cuidado que ela tem, queria eu, por um dia que fosse, deixar de ser máquina humana para virar uma dessas, brilhantes, de metal.

22.4.09

Formiguinha

Ao invés de perambular pela rua, passa o dia todo na escola. Na hora de voltar para casa, não tem dinheiro nem para comprar um chiclete. Neste momento, ansioso por um docinho, ele pede ou rouba, da mesa do bar, um pequeno sachê de açúcar.

20.4.09

Oásis

Há algum tempo, aqueles que caminhavam pelas ruas desertas, procurando uma boa conversa, encontravam a redenção nas praças, repletas de idéias e debates

Acabam nos mesmos lugares os que hoje caminham pelas ruas congestionadas, procurando um pouco de silêncio

19.4.09

Síndrome de Estocolmo

Do alto de seu salto, desconfortável e apertado, que fora obrigada a usar desde a adolescência, denunciava a crueldade e o atraso de outras sociedades, que impunham às mulheres regras e normas, fôrmas e formas.

18.4.09

Resgates

Todo indivíduo solitário é um náufrago

Acompanhado da pessoa certa, tornam-se ilha

17.4.09

Deficiências

O governo, envolvido pela burocracia, ficou imóvel

A polícia, em meio a tanta sujeira, perdeu o faro

O povo, iludido ou cansado, ficou mudo

E a justiça, resguardando-se, fica de olhos bem abertos

Olho

16.4.09

Surrealices

Apressado, o coelho fugiu daquele mundo surreal, cheio de incoerências

Apesar de tê-lo seguido, Alice, considerando-se muito sóbria, resolveu voltar



* em parceria com Aninha

15.4.09

Anjos e demônios

Antes de apagar a luz, a mãe sempre dizia:

- Durma bem, meu anjinho!

Por mais que lutasse contra o sono, não resistia. O pai sempre chegava depois dele dormir, bêbado, e batia nela. Ele se culpava. Dizia a si mesmo que, quando os anjos dormem, a escuridão toma conta.

14.4.09

Ventos da economia

Renomados economistas continuam citando os "ventos da economia"

Enquanto isso, os mais pobres vão descobrindo, de tombo em tombo, que tais ventos só definem para que lado vão cair

13.4.09

Mercado de valores

No carro, mais um opcional
responsabilidade social

O caderno vem com bônus
de apoio cultural

Para aderir à moda
vista a causa ambiental

Dê valor aos seus valores
Compre, venda e troque

12.4.09

Calor

Cachorros com a barriga no chão gelado e gatos com a barriga para cima. Homens obesos com a camiseta regata dobrada por cima da barriga e mulheres magérrimas com a barriga de fora para pegar uma cor. Lagartos repousando sobre as rochas quentes e lagartas virando borboletas. Gotas de suor que escorrem na testa e gotas de chuva que não refrescam.

Calor é fogo que arde sem se ver

É ferida que seca e cria casca

É um descontentamento insistente, incômodo e inconveniente

11.4.09

Pregação

Martelam as mesmas idéias sem parar

Até que seja mais cômodo deixar do que tentar tirar

10.4.09

Eufemismo

No velório, todos diziam que ele era um homem muito justo

Era a maneira menos ofensiva de dizer que era cego, indiferente aos que o carregaram em vida e que agora choravam sobre o caixão

8.4.09

Retrógrados

Há muito tempo, os incomodados gritavam pelas ruas, revoltados, para mostrar que não eram gado

Atualmente, os acomodados ficam em silêncio, desesperados, pela ameaça de ficar sem pasto

7.4.09

Praça da impotência

A justiça, cega, fica sentada no meio da praça


Enquanto a impunidade corre em volta, gritando, zombando da pobre coitada

6.4.09

De graça

Um dia, por castigo ou azar, pagou caro

Ao reclamar, ofereceram o troco em bala

Calou-se

Nunca mais comprou briga

5.4.09

Desbocados

Por um bom tempo, ficaram batendo boca

Demoraram a descobrir o prazer,
a sutileza de apenas encostá-las

4.4.09

Olhar perdido

As crianças, com olhar atento ao mundo em volta, encontram pessoas, folhas, nuvens e pássaros.

Mas os pais apressados, de tanto as puxarem pelas mãos, acabam por fazê-las perder aquele olhar, tão difícil de encontrar.

3.4.09

Conservação do patrimônio

Não havia dúvida, era a maior obra já realizada. Iniciada nos primórdios da civilização, ergueu-se a passos largos e continua ampliando-se. Atualmente, já incorporou-se aos costumes e ao dia-a-dia de todo o mundo. De tão importante, frequentemente ocupa as páginas de jornais de todos os cantos. Além disso, recebe investimentos de diversos países e empresas interessados em garantir a sua manutenção.

Por todos estes motivos, a desigualdade social foi tombada pelo patrimônio histórico e cultural, herança da desumanidade.

2.4.09

1.4.09

Castas

Em algumas sociedades, não há oportunidade, aos menos favorecidos, de mobilidade em ascenção.

No Brasil, além dos programas de TV, toda quarta e sábado tem sorteio da loteria.