30.7.15

Pústula

Um estado febril
- em chamas

queimando-se por dentro
- em delírios paranoicos

e o pior de tudo:

não há qualquer
previsão de cura








29.7.15

Agregado

Segue-se o fluxo
a correnteza

que nivela os vales
- por baixo

segue-se
sem esforço

na ilusão
de progresso

inércia de tolos




28.7.15

Comunicado

Informação é matéria bruta: o estado primitivo do conceito. E são variados os processos de formação de conceito: fundição, decantação, destilação, filtragem, lapidação, fusão, fissão, arranjo e combinação, entre tantas outras possibilidades inventadas ou ainda por inventar - cada dia há novos experimentos.

Cada um dos processos, no entanto, depende sempre da intervenção de um sujeito e, em cada um deles, se fazem necessários os devidos cuidados, especialmente em relação à interpretação. Há por aí as mais diversas espécies, cada qual com suas habilidades - específicas ou generalistas, de alquimistas, forjadores, lapidadores, manufatores, artesãos e, também, infelizmente, de falsários.

Como consequência da multiplicidade de processos e de sujeitos, há no mercado de discursos conceitos de diferentes qualidades.

Levando em conta este contexto, e os riscos de ser passado para trás, se faz necessário tornar-se capaz de manusear informações, para que se possa criar os próprios conceitos e, também, para poder avaliar a banca de discursos: a cada conceito que lhe é apresentado, é preciso saber notar qual foi o processo que levou até ele, qual foi o sujeito que o criou, com qual intenção e com que cuidados - para não contaminá-lo. Caso contrário, pode-se acabar adquirindo, por ignorância ou simples descuido, um arremedo rudimentar, uma pérola falaciosa, dessas que não servem nem para peso de papel, muito menos para sair exibindo em público.

27.7.15

Desestímulo

Transformam-se
sonhos gastos

em planos concretos

e metas determinadas

de longo prazo
- a perder de vista


Desilusão

é pulsão de vida
- esfacelada

mas que ainda pulsa




24.7.15

Frida

A dor constante
marcava no corpo

o passar do tempo


Consciente de cada instante

não deixava nenhum
- qualquer que fosse

passar em branco

23.7.15

Referências

Não são pessoas
ou nomes

Não são figuras
no livro de história


São vultos
que ainda percorrem ruas

São ecos
que ainda atravessam gargantas

São ideias
que ainda sangram

- e nunca serão
estancadas


Meus heróis
não viraram estátuas

22.7.15

O brado

Ampliou-se o debate
e não tem mais volta

Mas, ao olhar adiante
não há quem siga inalterado

entre gritos
de histeria

protestos
esquizofrênicos

e ecos de murmúrios

21.7.15

Término

O fim do relacionamento foi conturbado.
Passou horas lavando a roupa suja; Mas o sangue não saia.

20.7.15

Conformes

Não abro mão

de minhas ambições
à mediocridade

das depravações
do cidadão comum

e das catarses
de hipocrisia

- que nos redimem
aos finais de semana

17.7.15

Erosão

A vida
- açoite constante

tal correnteza
fria e cortante

que nos molda

em vales profundos

16.7.15

Reconhecimento

Iludem-se os poetas

com promessas
nunca feitas

de permanência póstuma

de algo além da obra
- destilada
em uma ideia pura

agarram-se com firmeza
a um conceito
- distorcido
de autoria

como quem produz
uma foto da paisagem

e se quer reconhecido
até o fim dos dias

por ter criado o horizonte

15.7.15

Dissociativo

Vieram todos, juntos, de surpresa. Confesso que, a princípio, fiquei extremamente ansioso, pois não estou acostumado a receber visita por estas bandas. Pedi, como se adiantasse, para que não reparassem na bagunça.
A mulher sem rosto, que normalmente me encontra em quartos escuros, está fumando na sacada, com seu costumeiro silêncio de agonia. Quando tento cumprimentá-la, dou sempre de cara com as costas, a nuca, cabelos esvoaçantes ou nuvens de fumaça. Como sempre, desisto.
Mais relaxado, observo meus antigos amores, que se reúnem na sala, revirando as gavetas mais profundas e expondo aos convidados, conhecidos ou desconhecidos (penetras? talvez figurantes) relíquias de momentos embaraçosos da minha história. Sorrio, ainda que constrangido.
No quarto, detenho-me por algum tempo em deleites e prazeres, quase esqueço-me de todo o resto.
Na biblioteca deparo-me com ilustríssimas estátuas, com as quais dialogo sem que possam responder-me, ou ao menos acenar quando os interpreto corretamente, franzir o cenho quando me equivoco. Ali, dividem espaço com os livros, filmes e com um definhante jardim de inverno, que cultivo com muito esmero, sempre que convém.
Sigo para o escritório. Ao acender a luz, meu olhos demoram um pouco para identificá-la: mas ali está  a paranoia, insone, olhos vermelhos, mãos trêmulas; Ela me olha de volta, e logo sou eu que tremo. Na tela do computador, uma cena da qual não consigo desviar o olhar: um leito de hospital, repleto de aparelhos, luzes de LED, tubos, respiradores, bipes, alimentadores. Confuso, quero esfregar os olhos, mas não consigo; Minhas mãos inertes, ao meu lado na cama, nem sequer tremem. Medo é o que não falta.

14.7.15

Estalactites

A princípio
eram apenas
ideias gotejando

com o tempo
calcificaram-se

em conceitos
pontiagudos

inconstantes
- e temerários


13.7.15

Jogo de Dominó

A vida

sequência
- incessante
de guinadas repentinas

a cada rodada
caminhos se abrem
- e se fecham

enquanto houver peças
eu jogo

se não me encaixo
passo

- e nunca mais volto








10.7.15

Trincheira

Vociferava, eloquente

cortando
- com as mãos

os ares


Em discursos inflamados

trazendo à tona
- das profundezas

os maus presságios


Era um soldado idealista
travando guerra de trincheira

- contra inimigos invisíveis




9.7.15

Jardim zen

Trancado em si
durante o inverno

passava as tardes
- com todo cuidado

cultivando tédios




8.7.15

Apartamento

Silenciosa
e desconfiada

um tanto arisca

e até mesmo
um pouco hostil


mas, por enquanto
apenas me observa

- da outra ponta da mesa

a tua ausência

7.7.15

Termodinâmica

Em meio à discussão

não adianta de nada
tentar medir palavras


pois que palavra
é matéria-viva


que, com muito calor

se dilata

6.7.15

Prudência

Tome cuidado

para não pisar-me
em falso

andando assim
- de pés descalços

sobre os cacos
de meus anseios

4.7.15

Secos e mirrados

Foi para as ruas
com uma flor na boca

e foi recebida
pela chuva

- de bombas

quebraram-lhe
os dentes

e asfaltaram
a primavera

2.7.15

Sustentabilidade

Um mundo que se consome
sem qualquer desperdício

multidões em fila

como formigas
- limpando ossos

1.7.15

Alustre

Perseguindo holofotes
- a qualquer custo

mariposas mortas

na beira do lustre