1.7.09

Desgosto

Aproximou-se daquela precária prateleira de madeira, apoiada na bicicleta, para facilitar a fuga caso o rapa resolvesse dar as caras. Olhou fixamente para os caramelos. Não era muito de comer doce, nem podia se dar muito ao luxo, mas não resistia àqueles rechonchudos caramelos de Petrópolis. Permaneceu por alguns instantes observando os caramelos, ficou com água na boca e, então, ao reparar na desatenção do vendedor, que tentava trocar uma nota de 10 com o pipoqueiro, tentou pegar um com sabor de chocolate, os azuis, seus preferidos.

Por um momento, encantado pelas guloseimas, o garoto esqueceu-se do perigo. Pagou caro por esse deslize, enquanto olhava para o caramelo em sua mão, cada vez mais próximo do seu bolso, dos fundos do teatro municipal e, por fim, de sua boca, o vendedor, calejado da vida na rua, em um movimento do pé atirou o chinelo para cima, agarrou-o, ainda no ar, e completou o movimento desferindo uma sonora chinelada no rosto do pequeno ladrão de caramelos.

Toda a praça ouviu o estalo, os pombos, assustados pelo barulho, voaram para longe enquanto o garoto permaneceu estático. No rosto, exibia uma marca vermelha evidenciando todas as ranhuras da sola do chinelo. Um fino fio vermelho escorreu-lhe pelo canto da boca.

Cuspiu um pouco de sangue enquanto ouvia um sermão sobre aprender a nunca mais fazer aquilo. Após toda a bronca, ouvia apenas um zumbido, consequência da chinelada. Saiu dali o quanto antes, para que não o vissem chorando. Apertando o passo, dizia a si mesmo que não chorava de dor, mas sim de raiva. Ao chegar ao fundo do teatro municipal, seu refúgio, chorava, sangrava e tremia. Sentado no canteiro, esmurrando o chão, prometeu que um dia, quando crescesse, assim que tivesse forças, iria vingar-se daquela ofensa e de todas as outras, mataria ele friamente. E, se a mãe se intrometesse, o que nunca fazia, ela também, a contragosto.

3 comentários: