3.3.10

Combustível

Não sei em que ano estamos - ninguém mais sabe. Perdemos a conta após as grandes tempestades de areia. Ninguém esperava. Após os terremotos, não podíamos mais nos alojar nas edificações, por medo dos tremores e, então, veio a areia, cobrindo os rastros dos poucos que resistiram. Mas, eu não posso perder tempo, não sabemos quando nem como o planeta vai tentar livrar-se de nós novamente e, portanto, eu e os outros precisamos estar sempre preparados para o pior.

Há muitos anos organizamos nossa comunidade em pequenos grupos, liderados pelo membro mais velho, cada um com um objetivo específico para a manutenção do todo. Acreditávamos que deviam estar fazendo isso por locais de todo o mundo até que fosse possível nos reerguermos como civilização. Ao menos tínhamos essa esperança, mas há muito tempo não tínhamos contato com ninguém de nenhum outro país, estado, cidade ou comunidade.

No meu grupo, éramos quatro, responsáveis pela busca e exploração de combustível. Com trajes específicos, para nos proteger das tempestades de areia e da radiação solar, saíamos da base, rumando em direções distintas a cada dia, sempre evitando as nuvens de poeira, e vasculhávamos o deserto com um detector de gases combustíveis. A cada dois ou três anos encontrávamos uma grande jazida e, em cada uma delas, inúmeros filões, pequenas jazidas, sempre protegidas por uma camada de concreto.

Demos sorte na última missão, cerca de seis horas após a partida da base, na direção sudeste, detectamos um sinal. Após iniciar as escavações e estabelecer acampamento, aguardamos melhores condições de luz para continuar com os trabalhos. No dia seguinte, apesar de cobertos por uma nuvem de poeira, encontramos a primeira placa de concreto, indicando que estávamos no local certo. Pouco tempo depois, já havíamos delimitado uma área com cerca de vinte pequenas jazidas. Decidimos iniciar a extração enquanto um de nós continuava o trabalho de limpeza do terreno para delimitação da área a ser explorada. Extraíamos primeiro o gás, usado principalmente no sistema de calefação - crucial para resistirmos às noites frias. Após retirar o gás, obtínhamos um líquido negro e viscoso, utilizado tanto para movimentar nossas máquinas quanto para o aquecimento da água, funcionamento de veículos de transporte e para a produção de energia elétrica - ainda que os veículos e a energia elétrica fossem utilizados apenas em casos emergenciais.

Não tivemos qualquer problema para perfurar e extrair o combustível dos dois primeiros filões, mas, no terceiro, a broca começou a sacudir e tivemos que interromper os trabalhos. Desliguei a escavadeira, retirei-a para o lado e um dos rapazes abaixou-se, em meio à poeira, para averiguar o que nos estava impedindo. Neste intervalo, o responsável pela limpeza do terreno avisou-me pelo rádio sobre um achado e eu, aproveitando a breve pausa, resolvi procurá-lo. Ao chegar ao local, encontrei-o entre uma estátua de bronze, de um anjo, e quase uma dezena de cruzes de metal, todos cobertos por uma fina nuvem de poeira.

Devido à presença das cruzes, deduzimos que o propósito do local era religioso, mas ainda não sabíamos do que se tratava. Não até o momento em que fui chamado pelo rádio, às pressas, para o local onde havíamos interrompido a extração. No chão, o rapaz ainda retirava um pouco de areia de cima de uma placa de metal. Ao aproximar-me, pude ler a seguinte inscrição: "Aqui jaz, Alberto Galeano, esposo apaixonado, dedicado pai de família e ilustre membro do clube de campo. Que descanse em paz!".

De início, ficamos chocados, estáticos. Não sabíamos que aquilo que nos movia adiante, o que queimávamos para nos aquecer, eram os restos mortais de nossos antepassados. Diante do desespero, antevendo uma crise, assumi meu papel de liderança e disse aos que me cercavam - e a mim mesmo, em voz alta, o que haveria de se tornar meu lema de vida - ou do resto daquilo que eu chamava de vida:

- Eu não posso perder tempo com o tempo que já passou, com os vestígios do que fomos.

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